Embora os conceitos de céu e de inferno tenham sido literalmente interpretados como destinos físicos por muitos cristãos ao longo da História, as filosofias orientais há pelo menos 3.000 anos nos alertam para as características mentais dessa condição.
Enfatizados pelo budismo como os extremos da mente humana, os conceitos de céu e de inferno seriam a representação simbólica dos estados de mente de nossa espécie em meio ao caos que não parece ter mudado muito ao compararmos essa metáfora milenar com o mundo moderno. Como podemos fazer um uso prático dessa metáfora, compreendendo a profunda mensagem que ela encerra? De que forma que a nossa mente pode ser a nossa maior prisão e a nossa maior libertação? O primeiro problema é que, de uma forma generalizada, nós confundimos os nossos pensamentos com a nossa consciência. Então, vamos separar devidamente um aspecto do outro, enfatizando o fluxo mental e sua dinâmica em primeiro lugar. Embora utilizamos as palavras mente e consciência de forma indistinguível para expressar esses dois estados tanto no ocidente quanto no oriente, há uma diferença perceptível a partir de estados alterados de consciência ou de práticas de meditação. Embora não seja um desafio muito fácil em um primeiro momento, é possível ficar algum tempo sem pensamentos depois de um período de treinamento. E se não deixamos de existir nesses momentos em que ficamos sem pensar, fica evidente que nós somos algo que se encontra além da mente. Como testemunhas da realidade, portanto, somos consciências e não os nossos próprios pensamentos. O segundo problema é que nos identificamos facilmente com a nossa mente e passamos a agir de acordo com aquilo que nós pensamos. Se pensamos que somos infelizes e incapazes (inferno), agiremos a partir dessa premissa, por exemplo. E a partir desse condicionamento, vamos caindo em frustrações e sofrimento, os quais só parecem que serão remediados através da projeção mental que nós fazemos em algum momento melhor do futuro. E assim nós criamos aquilo que é conhecido por ansiedade, ilusão ou fuga do momento presente. A preocupação com aquilo que já fizemos ou a memória de momentos mais felizes, por seu turno, nos aprisiona no passado por intermédio do contato com a culpa, com o arrependimento ou com a nostalgia. Por outro lado, se acreditamos na abundância (céu), nós construímos a nossa própria realidade a partir desta referência. Se pensamos que já somos tudo aquilo que precisamos ser e que nada nos falta, deixamos de criar expectativas e passamos a viver muito mais no momento presente. Sabendo que o tempo presente é o único momento em que as coisas realmente acontecem, estaremos muito mais enfocados e concentrados na concretização de nossos sonhos a partir desta constatação. Neste sentido, estar presente significa estar em sintonia com aquilo que chamamos de Eu Natural: um núcleo de individualidade consciencial muito maior do que o conceito de Eu Adaptado, sendo este último nada mais do que um nome mais preciso para a velha concepção de ego. Ao contrário de nossa consciência, o ego está vinculado ao fluxo incessante da mente e este vai sendo paulatinamente moldado por meio das influências e das pressões ao nosso redor. Desta maneira, vamos criando uma narrativa para nós mesmos sobre aquilo que nós somos desde a nossa mais tenra infância: família, educação, gostos, desgostos, escola, amigos, cultura, sociedade e religião constituem algumas das forças externas que vão moldando a nossa personalidade com o passar do tempo, acumulando certezas míopes e petrificando o nosso movimento dentro da trama da realidade. Com um perfil autorreferenciado, passamos a enxergar a vida de uma forma fixa e imutável, sem a noção de que quase todas as verdades que carregamos dentro de nós foram adquiridas por contágio e não por experimentação direta. Com os nossos sentidos representando apenas cinco portas de entrada para um universo abarrotado de portas, portões e janelas que não conseguimos ter acesso e muito menos ainda capacidade de processamento com nossos cérebros de primatas superiores, nosso ego vai formando um túnel pelo qual ele pode transitar pela realidade. Porém, por definição, sabemos que um túnel restringe a passagem por um único sentido de mão dupla, eliminando tudo o que está ao redor dele. Ao levarmos essa narrativa egocêntrica tão a sério, negligenciamos uma porção muito mais abrangente de nossa consciência, a qual não está submetida às convenções meramente locais e temporais. O Eu Natural se encontra além do espaço e do tempo, mas é tão real quanto o nosso próprio ego. Ocorre que o ego fica tão identificado com o fluxo caótico da mente que este não consegue enxergar mais nada ao seu redor. Da mesma forma que o Sol ofusca o brilho de todas as estrelas que estão naquele mesmo céu durante à noite, o perfil autorreferenciado do ego só enxerga a si próprio, ignorando que a imensidão do universo em uma noite estrelada simboliza a grandeza de nossa verdadeira essência. O Sol possui o seu grau de importância, mas ele não pode ser comparado com o tamanho do universo. Da mesma maneira, o Eu Adaptado possui a sua importância, mas este não pode ser comparado com a grandeza de nosso Eu Natural, o qual continuará a sua jornada depois da morte do corpo físico com as memórias das experiências vividas no universo tridimensional. De que forma o apego à narrativa que criamos desde o nosso nascimento pode estar bloqueando o acesso a uma porção da realidade muito maior? Como podemos reposicionar o ego de forma que ele possa ser funcional e deixar de impedir que cresçamos mais livremente? Se somos aquilo que pensamos, que tipos de crenças limitantes nós temos alimentado em nossas vidas para viver muito mais tempo em um inferno do que em um céu?
Marcio Cruz é terapeuta de regressão de memória formado pelo IMMTER - Instituto Mineiro de Medicina e Terapias e pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUCRS. Saiba mais sobre Marcio Cruz na seção O Terapeuta.
Terapia por Reintegração de Memórias - TRM
Terapia alternativa na cidade de Jundiaí, SP.
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