O inconsciente é uma daquelas palavras muito recorrentes, mas pouco entendidas em profundidade. Dependendo do autor, do estudo acadêmico ou da linha filosófica em questão, o conceito pode variar bastante. Como o tema é extremamente vasto, a intenção desta postagem é direcionar a definição do conceito para a abordagem adotada na TRM, a qual possui raízes nas filosofias orientais do Bramanismo, do Hinduísmo e do Budismo, sem ignorar a contribuição de nomes consagrados no ocidente como Sigmund Freud e Carl Jung. Veremos que apesar do afunilamento em termos conceituais, a abordagem de inconsciente da TRM amplia e integra ao invés de segregar e reduzir de forma a inviabilizar a sua aplicabilidade.
Ao longo da história, o conceito de inconsciente foi explorado por pensadores e filósofos de renome como Arthur Schopenhauer, Baruch Espinoza e Friedrich Nietzsche, dentre outros. Contudo, foi através de Sigmund Freud que o conceito ficou mais popularizado no ocidente. Para Freud, a esfera mental era dividida entre o consciente e o inconsciente, sendo este último um repositório de ideias, emoções ou desejos reprimidos pela porção consciente castradora. Como forma de se adaptar às condições ambientais, a personalidade seria lapidada através de repressões e castrações de instintos indesejáveis de acordo com o sistema de crenças e de valores da cultura onde nasce o indivíduo.
Proporcionalmente, a fração inconsciente seria muito maior do que a fração consciente, semelhante à imagem de um iceberg onde o inconsciente ocuparia a parte debaixo d’água e o consciente apenas a parte exterior. A ponta do iceberg, portanto, seria a parte com a qual nós majoritariamente nos identificamos, constituindo a nossa personalidade com o nosso histórico de vida desde o nosso nascimento. Esse histórico de vida é o nosso ego: um modelo de identidade pessoal que eu chamo de Eu Adaptado, o qual foi construído por meio das drásticas adaptações ao meio e não porque ele constitui, de fato, a nossa essência ou o nosso Eu Natural. O Eu Natural possui suas próprias necessidades e este se encontra abaixo da superfície do oceano com suas emoções e impulsos instintivos próprios do inconsciente. Apesar daquela velha ideia que outorga arrogantemente ao ser humano a qualidade de “ser racional”, na prática somos seres instintivos e emocionais que, no máximo, tentamos justificar nossas ações com argumentos racionais. Tais argumentações fazem parte da natureza do ego, o qual tenta regular, reprimir e mascarar os conteúdos inconscientes que adentram na esfera consciente o tempo todo.
Como o inconsciente não está disponível para a mente consciente, muita gente duvida que ele possa existir. Todavia, não precisamos de muita inteligência para comprovar a sua existência através da observação do comportamento humano. Sua existência pode ser provada indiretamente através do conteúdo dos sonhos, dos atos falhos e das repressões do ponto de vista psicanalítico ou por meio da observância das enormes dicotomias entre o discurso e o comportamento. Além disso, quem se submete pela primeira vez a qualquer processo terapêutico se surpreende com a quantidade de conteúdos mentais que desconhece sobre si próprio, sendo ainda mais fácil saber o quanto que o seu inconsciente domina as suas ações ao perguntar para alguém de confiança (alguém quem não tem medo de te dizer a verdade) como essa pessoa te enxerga. Um outro exemplo disso seria um homem que sabe que está apaixonado por uma mulher, sem ter consciência de boa parte das motivações subjacentes que o levaram a estabelecer esse vínculo afetivo. E exemplos mais corriqueiros sobre a existência do inconsciente podem ser facilmente verificados nos fenômenos de esquecimento, na exploração do foco de nossa atenção em detrimento de outros eventos como a respiração, na dinâmica das prioridades de nosso comportamento volitivo e na lei da economia de energia de nosso cérebro, instâncias que deixariam este artigo muito mais extenso do que eu julgo ser digerível e, portanto, não abordarei por aqui.
Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço de prestígio que estabeleceu uma parceria temporária com Freud, não apenas adotou o conceito de inconsciente quanto o ampliou para a noção de inconsciente coletivo. Percebendo padrões mentais repetitivos entre pessoas de idades, culturas, religiões e níveis educacionais muito diferentes em seus pacientes, percebeu que havia um substrato mental comum entre esses indivíduos em uma época em que a televisão e a Internet ainda não existiam (para aqueles que poderiam dar vazão às especulações de cruzamento cultural como forma de mútua contaminação da amostragem). Tais padrões só poderiam ser explicados mediante a existência de uma dimensão muito mais ampla da psique humana, conceito que colide com o paradigma materialista ao defender que a consciência é subproduto do funcionamento do cérebro, sendo, portanto, impossível de existir um campo mental compartilhado por toda a humanidade. Ou seja, a mente ou a consciência estariam dentro da caixa craniana de cada ser humano, sendo impossível existir um repositório coletivo onde as mentes dos indivíduos pudessem ter qualquer tipo de conexão subjacente.
Jung rompeu com Freud, o qual estava completamente comprometido com o paradigma materialista e com a força do Iluminismo no final do século XIX e início do século XX. Preferindo seguir o rastro das evidências ao invés de se preocupar com sua reputação profissional, Jung bebeu na fonte das filosofias orientais do vale do Indo para dar consistência às suas observações empíricas. Para as filosofias do antigo oriente, estamos todos imersos em uma descomunal consciência universal, sendo cada um de nós mentes dissociadas (gradualmente separadas) desta grande matriz. Invertendo a lógica do paradigma materialista, a mente universal é a origem da matéria, esta última se tratando da aparência superficial de uma realidade muito mais profunda que permanece inacessível aos nossos cinco sentidos.
Voltando à metáfora do iceberg, se o consciente é a parte visível e se a parte submersa representa o nosso inconsciente, o inconsciente coletivo é o próprio oceano que está em contato direto com o gelo, derretendo e se mesclando de maneira a interferir no formato do iceberg que causa alterações no padrão de flutuação da parte externa. E o gelo, por sua vez, interfere na temperatura da água do oceano em suas imediações, havendo uma troca mútua de interações entre a água em dois de seus estados: o sólido e o líquido. Esse contato direto com o oceano explica como influenciamos e somos influenciados pelo inconsciente e pelo inconsciente coletivo. Emergindo, portanto, do enorme oceano instintivo que compartilhamos com todos os outros animais, a metacognição ou a autorreflexão é um atributo recente na história da natureza, sendo o pensamento simbólico uma conquista recente até mesmo para o Homo Sapiens, tendo surgido à cerca de 40.000 anos (Hunting for the Origins of Symbolic Thought). Em termos evolutivos, se trata de um piscar de olhos em comparação com o tempo de existência de todos os outros animais, os quais também seriam criaturas dissociadas da mente universal, embora com níveis de complexidade inferiores ao do ser humano. Não obstante, é interessante notar que milhares de relatos catalogados desde os anos 1960 de pessoas que fizeram o uso de substâncias psicodélicas ou enteógenas vão ao encontro da existência dessa mente instintiva natural compartilhada. Se encontrando na base de tudo aquilo que existe, este campo psíquico transcendental foi chamado de mente transpessoal, dando origem a todo um ramo da psicologia moderna, conhecida por Psicologia Transpessoal.
Para melhor substanciar os conceitos de inconsciente e de inconsciente coletivo pelo viés da TRM, sugiro a leitura da postagem O Universo é Mental.
Marcio Cruz é terapeuta de regressão de memória formado pelo IMMTER - Instituto Mineiro de Medicina e Terapias e pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUCRS. Saiba mais sobre Marcio Cruz na seção O Terapeuta. Terapia por Reintegração de Memórias - TRM Terapia alternativa na cidade de Jundiaí, SP.
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