A linguagem simbólica antecedeu e dominou a maior parte do tempo da existência do Homo sapiens na superfície do nosso planeta. Muito antes do surgimento do pensamento racional, da linguagem escrita e da matemática, havia uma mente primordial que se relacionava com a realidade por meio de símbolos, metáforas e mitos, com uma abrangência muito mais ampliada dentro do espectro da consciência humana do que aquela proporcionada pelo filtro intelectual.
A habilidade de pensar simbolicamente é extremamente antiga, mas fomos perdendo aos poucos a nossa identificação com essa forma de frequentar o mundo, na medida em que o pensamento racional estruturado pelo paradigma cartesiano/newtoniano foi ganhando força frente ao sucesso triunfal da ciência e da tecnologia. Em contraposição à linguagem simbólica, o pensamento predominante do mundo atual é caracterizado pela fisicalidade, pelo reducionismo e pela precisão descritiva tão característica da tecnologia e do universo digital.
Diferenciando o sentido literal do simbólico, poderíamos dizer que a literalidade se concentra no aspecto mais delimitado de uma palavra, de uma ideia ou de um conceito, ao passo que a simbologia aponta para uma direção além da estrutura linguística, reconhecendo os limites das palavras e assim entendendo que é preciso apelar para um sentido mais amplo, mais ambíguo e menos preciso. Transcendendo a si próprios, os símbolos constituem um meio e não um fim em si mesmos, como o desenho de uma placa de trânsito que só faz sentido por causa da ideia que ela representa, não possuindo um significado isolado em sua materialidade.
Sendo hoje a narrativa predominante de nossa civilização, a literalidade é até utilizada para popularizar as religiões e assim angariar novos adeptos. Mas ao mesmo tempo em que a interpretação literal populariza, ela amputa o profundo enraizamento dos símbolos no campo da consciência transpessoal (para o melhor entendimento deste ponto, sugiro a leitura da postagem O Universo é Mental). E como efeito colateral, a literalidade promove a inflexibilidade, o fanatismo e o fundamentalismo religioso, posto que não permite as interpretações em camadas que a simbologia, os mitos, as parábolas e as metáforas sempre objetivaram promover.
O determinismo e o fatiamento em busca dos blocos básicos de construção da realidade nos deixaram cegos para o enraizamento e a continuidade da natureza da qual somos inegáveis derivações. Isso traz implicações individuais e sociais em nossa forma de abordar a natureza e, por consequência, a nós mesmos, encarando a tudo e a todos de forma fracionada e predatória. A ilusão da separação, reforçada pela narrativa da física clássica e do paradigma materialista, empobrece a nossa interação conosco mesmo e com o contexto ao redor, levando-nos a acreditar infantilmente que as palavras são capazes de explicar tudo o que existe. Incapacitados que estamos de conceber a existência de um universo para além da razão, das palavras e da literalidade, amputamos uma ampla parte de nossas vidas com efeitos catastróficos para a nossa saúde e para o nosso bem-estar. Perdemos totalmente a nossa capacidade de entender os mitos, as metáforas, os poemas e os ritos, imersos que estamos na precisão literal sobre tudo, levando-nos ao achatamento dos significados e ao extremismo político, ideológico e religioso.
No que se refere à abordagem da TRM, o perigo do uso da literalidade é o mesmo: pelo fato das vivências se encontrarem na esfera das memórias, do inconsciente e do inconsciente coletivo, o conteúdo a ser trabalhado pode ser literal ou metafórico. E a mente racional tenderá a supervalorizar a literalidade em detrimento do simbolismo, sendo que o caminho para a cura será justamente o contrário. Ou seja, mesmo considerando uma memória como literal e descrita de forma precisa pelo paciente, o importante é compreender as feridas de alma, os padrões de comportamento, os aspectos inconscientes, os samsaras (ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos de um indivíduo como efeito do karma) ou os arquétipos que se encontram além da narrativa visível, os quais influenciam o pensamento e o comportamento do paciente de forma velada. Em busca da raiz subjetiva do problema, o caminho sempre será o do aprofundamento em camadas, finalizando nos aspectos arquetípicos da vivência, ainda que esta tenha começado na descrição literal.
Como seres psíquicos e orgânicos que somos, a literalidade e a precisão na terapia constituem apenas os aspectos iniciais e superficiais do processo de cura. Com um histórico mental que ultrapassa muito a pessoalidade e a encarnação, a simbologia, a metáfora e o mito ainda constituem partes essenciais de nossa formação mais primitiva, as quais influenciam o momento presente de maneiras impensáveis para a esmagadora maioria de nós, isolados que estamos no estilo de vida extremamente imediatista e superficial do mundo moderno.
O impulso pela interpretação literal das vivências e da abordagem da TRM tenderá a sabotar todo o processo, desviando o indivíduo da tão almejada cura psíquica. Por consequência, o paciente precisará aprender a abrir mão da literalidade e do controle racional com o intuito de promover o escoamento espontâneo do conteúdo inconsciente para a porção consciente. Somente então, será possível ampliar a consciência do paciente para além da razão e assim alterar a sua percepção sobre si mesmo e sobre o seu papel neste mundo.
Marcio Cruz é terapeuta de regressão de memória formado pelo IMMTER - Instituto Mineiro de Medicina e Terapias e pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUCRS. Saiba mais sobre Marcio Cruz na seção O Terapeuta. Terapia por Reintegração de Memórias - TRM Terapia alternativa na cidade de Jundiaí, SP.
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