Nenhuma palavra é mais utilizada e por isso mesmo mais deturpada do que o termo “amor”. Em nome desse conceito, as pessoas são capazes de expressar os mais complexos tipos de emoções e sentimentos, com um gigantesco leque de consequências que pode variar desde as coisas mais belas e construtivas até comportamentos doentios, nefastos e totalmente destruidores. Por esta razão, me restringirei a escrever sobre aquilo que eu acredito ser a forma mais fundamental desse sentimento, que é o amor-próprio.
Depois de sofrer com todos os percalços e a impermanência desse sentimento, situação agravada por um enorme conjunto de convenções socioculturais restritivas, você começa a se perguntar se, afinal de contas, o problema está em você e não nas pessoas ao seu redor. E então você se percebe em um permanente estado de carência, de falta, de constante necessidade por algo que você não possui. A maneira popular de entender e interpretar o amor passa justamente por aí: a ideia de que uma pessoa em particular fará você feliz. E não existe nada mais ardiloso e ilusório do que este tipo de crença.
O conceito budista de impermanência nos alerta para o fato de que tudo no universo é de natureza dinâmica. Nada está parado e, mesmo coisas aparentemente imóveis como montanhas ou rochas, se revelam em constante movimento ao considerarmos a escala do tempo geológico e a estrutura atômica e subatômica da matéria. Se tudo, portanto, foi alterado ao longo da História para que você chegasse até aqui e muito mais ainda será alterado em algum momento do futuro, nada mais tolo do que achar que a sua paixão ou o seu amor mais estimado durará para sempre. Porém, existe uma coisa permanente que o budismo também advoga, embora não exatamente de uma forma escancarada: o convívio com a gente mesmo ao longo da existência, a qual extrapola totalmente a encarnação deste seu exato instante. O amor, portanto, deve ser algo cultivado dentro de você e não fora. Isto porque, se buscamos esse sentimento no ambiente externo, estamos fadados a sofrer com uma eterna frustração por não controlarmos a realidade circundante. A bem da verdade, não controlamos nem os nossos próprios pensamentos. Como podemos querer controlar a tudo e a todos? Outra ilusão por demais infantil.
O amor poderia ser considerado como a maximização da qualidade do relacionamento entre as criaturas existentes. Mas para que esse audacioso estágio seja alcançado, é imprescindível maximizar a qualidade da relação com a gente mesmo, universo pouco explorado pela civilização moderna ocidental. O antigo oriente, por meio das filosofias perenes, alerta-nos há séculos para a necessidade do desenvolvimento interior, sendo esse o caminho para o amadurecimento daquilo que é conhecido como amor-próprio. Estou mencionando amor e não dó, vitimismo, egocentrismo ou egolatria, itens normalmente confundidos com esse amor que podemos nutrir por nós mesmos. Estou querendo salientar coisas como humildade, paciência, autoaceitação, observância dos seus próprios limites, assim como o ímpeto sadio por querer superá-los.
E como podemos trabalhar internamente para que isso aconteça? Bem, como diria uma grande amiga minha, Cris Cavalieri: “o amor é uma decisão”. Sim, é preciso querer. E querer muito, posto que se trata do caminho inverso ao que normalmente fazemos na sociedade moderna. Para começar, não é possível tratar de um viciado em drogas mantendo-o constantemente drogado. Isto seria a mais absurda contradição. De maneira similar, no tipo de mundo em que vivemos hoje em dia, a maneira mais rápida e efetiva de desenvolver o amor próprio é estando sozinho. Não que isto tenha que ser exatamente uma regra. Todavia, o isolamento facilita a introspecção e leva à uma dessensibilização do sentimento de apego a algo que, na verdade, nunca foi nosso.
Este amor interno será construído paulatinamente com base no autoconhecimento e na valorização do seu relacionamento consigo próprio e com a vida no sentido mais amplo possível. E uma vez que este processo começa, em algum momento do futuro, é bem provável que estejamos muito mais preparados para vivenciar o amor entre duas pessoas. Isto porque o cultivo desse amor dentro de si preencherá progressivamente o buraco da falta que você busca preencher com qualquer outro ser humano, até que um dia esse buraco é totalmente preenchido e o amor transborda...
Apelando para uma metáfora para dar mais substância ao que estou querendo transmitir, eu vou escrever um pouco sobre os buracos negros. Esses fenômenos astronômicos atraem tudo para si. Nada escapa de seu enorme poder gravitacional. Nem mesmo a luz. Sua fonte de energia é externa, como se tivesse uma “fome insaciável” por tudo que existisse ao seu redor. Desta maneira, eu associo os buracos negros com o perfil das pessoas carentes, as quais interpretam o amor pelo viés popular, estando ávidas por ter alguém perto para poder sugar tudo o que elas puderem conseguir. Neste estado de mente caótico e confuso, são como buracos negros ambulantes, vivendo sua vida em função da existência dos outros. Seu comportamento é caracterizado pela dependência e pela insegurança, tomando, roubando ou subtraindo do meio circundante, de forma análoga a um buraco negro.
Estrelas, por sua vez, se bastam. Sua fonte de energia é interna, liberando luz, calor e irradiação por meio de fusão nuclear. Só estamos aqui e agora por causa do nosso Sol, estrela de quinta grandeza que foi uma das grandes responsáveis por fornecer e nutrir as complexas condições para que a vida se desenvolvesse aqui na Terra. Somos o resultado da existência dessa estrela, assim como provavelmente seria o caso da vida ao redor de outras infinitas estrelas universo afora. E aqui eu peço licença para fazer uso de uma outra metáfora, associando as estrelas com as pessoas que são seguras, independentes, criadoras e doadoras. Constituindo um ser humano muito mais difícil de ser encontrado em um planeta repleto de buracos negros, de vez em quando vemos estrelas por aí na forma de uma Madre Tereza de Calcutá, de um Dalai Lama ou de um pequeno agricultor desconhecido que vive no interior do país, de um vizinho que nunca mereceu a sua preciosa atenção, ou daquela pessoa que sempre esteve ao seu lado aguentando firmemente o seu “perfil sugador” e você nunca percebeu, cego que você estava pelo “barato” de seu próprio vício.
Descobriu qual fenômeno astronômico você é? Que tal mergulhar de cabeça no gigantesco desafio de passar a ter luz própria?
Marcio Cruz é terapeuta de regressão de memória formado pelo IMMTER - Instituto Mineiro de Medicina e Terapias e pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUCRS. Saiba mais sobre Marcio Cruz na seção O Terapeuta. Terapia por Reintegração de Memórias - TRM Terapia alternativa na cidade de Jundiaí, SP.
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