As filosofias perenes do Bramanismo, do Hinduísmo e do Budismo alegam há pelo menos 3.000 anos que o universo é de natureza mental. Embora essa afirmação seja por demais contra intuitiva para a concepção materialista do mundo moderno, alguns físicos, engenheiros, pensadores, filósofos e pesquisadores da fronteira dianteira da ciência atual começam a defender veementemente a ideia de que essa desconcertante alegação está, de fato, na raiz de toda a realidade existente.
O problema difícil da consciência, enigma inicialmente levantado pelo filósofo e cientista cognitivo David Chalmers, aponta para o fato de ser impossível extrair aspectos qualitativos da experiência como o sabor delicioso de uma barra de chocolate, uma linda tonalidade da cor vermelha ou a amarga tristeza de uma desilusão amorosa a partir de parâmetros físicos quantitativos como tamanho, peso, massa, carga, posição, velocidade, direção, frequência, amplitude, etc. Indo em direção contrária ao que prega o paradigma materialista, Chalmers afirma que não há como reduzir os estados conscientes a uma base neurofisiógica, uma vez que experimentamos diariamente uma ampla riqueza qualitativa e não meras sinapses cerebrais.
Em termos mais simplificados, não há até o momento a mínima pista de como o metabolismo cerebral seria capaz de produzir qualquer sensação de experiência, sendo muito mais enigmático e desafiador saber como o cérebro poderia gerar toda a complexidade da consciência e da autoconsciência. Não há uma explicação neurofisiológica para o fenômeno da experiência com base em parâmetros como estrutura e função, por mais complexo que esse arranjo seja. Muito obviamente, há uma correlação entre experiências específicas e regiões cerebrais determinadas (afinal, o cérebro é a extensão mensurável da mente), mas não existe nenhuma relação de causalidade conhecida partindo do cérebro para a mente. E apesar do pensamento predominante abraçar a ideia de que conhecimentos mais amplos sobre o funcionamento cerebral nos levarão inevitavelmente à essa descoberta no futuro, alguns cientistas da atualidade afirmam categoricamente que essa ambição jamais será alcançada, posto que ela parte de uma premissa completamente equivocada.
O problema aqui é de origem antiga: residindo na percepção ilusória de que mente e corpo são duas instâncias completamente separadas, seria possível, em teoria, construir uma ponte explicativa entre esses dois aspectos muito diferentes da existência. E a verdade inescapável é de que esta percepção é um erro de interpretação, posto que, tudo o que temos desde o nosso nascimento é a experiência, sendo este fenômeno uma resultante da consciência e não daquilo que o movimento iluminista chamou engenhosamente de matéria como artifício conceitual para se livrar das ameaças da Igreja entre os séculos XVII e XVIII. Em outras palavras, um de nossos mais arraigados sensos de realidade advém de uma invenção com o intuito legítimo de evitar torturas e mortes promovidas pela Santa Inquisição, criando um universo fictício a ser estudado que não fosse de interesse da Igreja com o nome de matéria (um conceito grego convenientemente reaproveitado). Afinal, o Cristianismo sempre teve um profundo interesse pela mente e pela alma das pessoas, levando isso até as últimas consequências com o passar do tempo por meio de inúmeras distorções cujo aprofundamento foge do foco desta postagem.
Voltando à questão principal, não existe essa separação entre o físico e o mental. É justamente a dualidade que causa um problema extremamente grave em nossa forma de lidar com a realidade, sendo o corpo simplesmente a extensão perceptível de nossa mente. E por consequência, não é o cérebro que gera a consciência e sim a consciência que gera o cérebro, não sendo possível derivar a consciência a partir daquilo que foi denominado de matéria, mas sendo possível derivar essa matéria a partir da consciência (este ponto será melhor explicado abaixo através do fenômeno da dissociação). Desta maneira, o cérebro seria a parte mais superficial de uma realidade muito mais profunda que se encontra além da dimensão física, sendo o universo material a aparência mensurável de uma realidade muito mais ampla que se estende para além dos nossos cinco sentidos.
Outro problema que reforça a percepção equivocada de separação entre mente e corpo físico é o avassalador sucesso da tecnologia e a prevalência dos computadores em nossas vidas, eventos que cimentaram a ideia oriunda dos primórdios da Era Industrial de que os seres vivos seriam meras máquinas. Esse é um dos efeitos colaterais extremamente nocivos para a nossa espécie que surgiu com o paradigma materialista: a crença arraigada de que somos seres mecânicos apartados da natureza. Para piorar, o advento da computação tornou inevitável a comparação do cérebro com computadores e da mente com programas, levando à crença generalizada de que não somente a inteligência artificial (um atributo mensurável que já é uma realidade), mas também a consciência artificial (experiência interior que ainda é uma ficção) emergirá espontaneamente das máquinas em algum momento do futuro.
Mas um dos maiores gênios do universo computacional, o físico, engenheiro e inventor italiano Federico Faggin é taxativo ao dizer que isso jamais ocorrerá, posto que os seres vivos são muito mais complexos do que computadores e de que a consciência está muito além da dimensão física. Tendo sido o inventor do microprocessador, o italiano trabalhou nos primeiros anos da Intel e depois criou mais 3 empresas muito bem sucedidas no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Faggin perseguiu obstinadamente a ideia de criar consciência a partir de experimentos computacionais, estudando biologia e neurociência para dar um maior embasamento aos seus já vastos conhecimentos sobre física clássica e física quântica. Milionário, mas se sentindo infeliz, passou por uma experiência de pico (estado espontâneo de expansão de consciência) no auge dessa busca, quando ele se viu como sendo o mundo que observava a si próprio através de seu ponto de vista. Desta maneira, foi ficando cada vez mais evidente que a sua busca pela criação da consciência artificial estaria fadada ao fracasso, posto que ela partia de uma premissa popular completamente errada. Estando hoje à frente da empresa Synaptics, a companhia que inventou o touchpad, o touchscreen e foi a pioneira em sistemas de redes neurais e machine learning, Faggin tem a convicção de que a consciência é um campo que não está delimitado pelo cérebro e de que a natureza da realidade é fundamentalmente consciencial e não física. E antes de você desistir desta leitura por achar tais explicações muito fora do seu senso de realidade, a própria mecânica quântica substancializa essa lógica invertida ao apontar a seta da causalidade do plano mental para o plano material. O colapso da função de onda, por exemplo, é um efeito verificado inúmeras vezes em experimentos físicos, quando a mensuração das ondas de probabilidade de um sistema resulta na observação de uma única partícula. Ou seja, o ato de medir interfere na onda de probabilidades, resultando na localização da partícula em uma posição específica ao invés de todas as posições ao mesmo tempo. Em outras palavras, a observação dos físicos colapsa a função de onda, apontando para a inegável interrelação entre a consciência dos pesquisadores e a realidade física. Poderíamos, portanto, especular sobre o papel da consciência na construção daquilo que chamamos normalmente de realidade, de forma que a observação colocaria o universo em um estado específico ao invés de todos os estados ocorrendo ao mesmo tempo. Seguindo essa linha de raciocínio, seria da própria natureza da mecânica mental, ao atuar no universo físico, colapsar as probabilidades disponíveis em uma única instância possível em um dado momento, gerando a realidade consensual que tanto conhecemos. E existe uma outra condição muito mais prevalente do que o experimento acima descrito que parece confirmar essa bizarra alegação. Qualquer iniciante na prática meditativa consegue perceber o quanto nós não controlamos o nosso próprio fluxo mental. Transtornos de ansiedade e outros distúrbios mentais cada vez mais comuns em nossa sociedade também apontam para essa possibilidade, deixando-nos completamente à deriva em relação a vida pelo fato de não termos controle sobre os nossos próprios pensamentos. Mas ao ganharmos foco, tudo mudo de figura, posto que conseguimos seguir um determinado fluxo causal em uma direção específica, concretizando aquilo que precisa ser efetuado desde que haja condições materiais para isso. Todos nós estamos cansados de saber que só produzimos algo quando estamos concentrados em alguma tarefa. Livres da influência do substrato mental borbulhando em todas as direções, o foco e a atenção dão direcionamento, aumentando as chances de concretizar algo pelo sequenciamento causal em contraposição ao caos próprio da mente de símios pulando de galho em galho de nossa condição humana recém-conquistada em termos evolutivos. Desta maneira, a apreensão da consciência como a origem da realidade e não um subproduto do metabolismo cerebral não só contribui para um melhor entendimento da mecânica quântica, como também para um melhor entendimento da vida e do nosso papel neste mundo. Somos todos colapsores de funções de onda, transformando estados mentais em potencial em realidade concreta através da observação e do foco. De acordo com o idealismo metafísico, ramo da filosofia moderna cujo maior expoente da atualidade é o Ph.D. em engenharia da computação e em filosofia, Bernardo Kastrup, a matéria constitui a representação de um aspecto muito mais profundo da realidade, sendo o universo fundamentalmente mental e não material. Trabalhando com inteligência artificial no CERN (European Organization for Nuclear Research), Kastrup não conseguiu, por nenhuma via, a entender como seria possível produzir consciência artificial a partir da engenharia da computação. Assim como Frederico Faggin, Kastrup estudou neurociência e se aprofundou exaustivamente em filosofia da mente até concluir que tal proeza seria impossível, posto que a realidade é de origem mental e não material. Não a minha mente em particular, não a sua mente em particular, mas uma vasta mente de caráter transpessoal. A concepção de uma mente transpessoal não é nenhuma novidade, tendo sido derivada das filosofias do Vale do Indo há pelo menos 3.000 anos e ficando mais difundida no ocidente com os relatos de indivíduos que passaram por experimentos com substâncias psicodélicas ou enteógenas desde a década de 1960. Popularizados pelas publicações do psiquiatra checo Stanislav Grof, milhares de relatos descrevem pessoas passando pela experiência de serem animais, vegetais ou de estarem imersos em uma experiência muito mais ampla do que aquela provida pelas suas noções convencionais de individualidade, as quais traziam até então um senso de completa separação da natureza que, em níveis mais profundos, parecia não existir. Com o renascimento das pesquisas oficiais nos EUA com LSD, psilocibina e DMT, esses relatos não param de se multiplicar, dando ainda maior consistência à noção de que o nosso corpo constitui uma espécie de avatar cujo verdadeiro agente se encontra inserido em uma realidade muito mais ampliada e distante de nosso ego claustrofóbico.
Essa mente estendida é a matriz de todo o reino natural, a partir do qual nós somos mentes dissociadas (gradualmente desprendidas) que, por consequência desse fenômeno natural, adquirimos essa percepção de que estamos terrivelmente apartados uns dos outros. Fazendo uso de uma metáfora, o nosso senso de individualidade seria como um redemoinho em um imenso oceano transpessoal. O corpo possui a aparência bem definida pelos contornos do redemoinho na água, com a ilusão psicológica de não possuir qualquer relação com o restante do oceano por questões de dissociação. Portanto, não é a consciência que está dentro do corpo e sim o corpo que se encontra inserido no vasto campo da consciência.
E se enganam aqueles que acham que o fenômeno da dissociação se trata de uma invenção com o intuito de dar consistência a uma teoria mirabolante. Conhecido na psiquiatria e na psicologia como Transtorno Dissociativo de Personalidade, a dissociação está muito mais difundida na natureza do que apenas em seu formato de transtorno mental. Antes conhecido por Transtorno de Múltiplas Personalidades, condição em que há uma fragmentação da identidade com um indivíduo apresentando duas ou mais personalidades distintas, a dissociação parece ser um evento com inúmeras camadas de manifestação e extensa penetrabilidade no reino natural.
Entendendo a autoconsciência como um estado de atenção onde interagimos com o mundo de maneira autorreflexiva, concatenando ideias e fazendo inúmeras conexões entre o mundo objetivo e subjetivo, fica patente a nossa habilidade inata para fazer associações. E com a mesma maestria que a mente é capaz de fazer associações, ela também faz dissociações o tempo todo.
O fenômeno do esquecimento, em seus múltiplos graus de manifestação, poderia se enquadrar em um nível leve de dissociação. O subconsciente, condição caracterizada por ações em piloto automático, sem que a nossa atenção esteja focada nesses processos como dirigir um automóvel, por exemplo, poderia ser considerado como um outro nível de dissociação. Os sonhos também poderiam ser encaixados em diferentes graus de dissociações, variando de sonhos completamente inconscientes aos sonhos lúcidos. Nossa vasta porção inconsciente, por sua vez, poderia ser considerada como um tipo de dissociação mais severa, sendo parcialmente acessível por psicoterapia. Sob o efeito de anestesia, há obviamente uma forte dissociação de caráter efêmero, ao ponto de não haver qualquer vestígio de memória. Lembranças de vidas passadas, por outro lado, também apontariam para um elevado nível de dissociação com quem já fomos. E por fim, a maior de todas as dissociações, aquela que nos faz sentir veementemente separados uns dos outros e do restante do universo, se encontraria no extremo desse espectro na condição de uma mente totalmente egoísta em uma ou mais encarnações.
No final das contas, o universo constitui uma gigantesca rede de associações e dissociações, estas plenamente compatíveis com a amplitude e a profundidade de uma consciência cósmica, onde somos alter egos dissociados tentando seguir o caminho de volta para casa através da associação. Na dança cósmica de Brahma, as dissociações promovem aprendizado e as associações promovem a reintegração, contribuindo para a evolução do próprio universo.
Marcio Cruz é terapeuta de regressão de memória formado pelo IMMTER - Instituto Mineiro de Medicina e Terapias e pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUCRS. Saiba mais sobre Marcio Cruz na seção O Terapeuta. Terapia por Reintegração de Memórias - TRM Terapia alternativa na cidade de Jundiaí, SP.
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